Somos sempre gerados por duas pessoas de dois géneros distintos, mas em cada um de nós moram dezenas de outros que nos antecederam e nos deram (quase) tudo o que temos e somos: herdamos os genes, a linguagem, os utensílios, a cultura, o mundo inteiro do passado e do presente que nos cabe viver. Nunca houve, nem nunca haverá uma sociedade sem famílias, ou uma organização similar que se lhe assemelhe, porque não parece possível alguém (sobre)viver sozinho.
A família é uma espécie de ser vivo, que nasce e se desenvolve ao longo do tempo, até que se dissolve ou morre, dando geralmente origem a outras famílias (alguns dos filhos de cada família prosseguirão esse desígnio). No seu trajeto de vida, à semelhança de cada um de nós, uma família nunca permanece a mesma, e é normal que tenha desafios e obstáculos para enfrentar.
No seu trajeto de vida, à semelhança de cada um de nós, uma família nunca permanece a mesma, e é normal que tenha desafios e obstáculos para enfrentar.
Para ser saudável e feliz, na nova família, a conjugalidade não deverá sobrepor-se nem anular a individualidade; e quando nasce o primeiro filho, a parentalidade não deverá anular a conjugalidade, nem a individualidade. E isto pela vida fora: todos os papéis de cada um, dentro e fora da família, têm de ser articulados e respeitados, para que não se entrave nem o desenvolvimento familiar, nem o desenvolvimento individual. Caso contrário, um ou vá- rios ou todos os seus membros vivem em desarmonia no seio familiar.
Competências da família
Considera-se que há três qualidades fundamentais que a família deve possuir:
• Laços fortes que promovam coesão e que permitam a cada membro amar e sentir-se amado e sentir que pertence ao grupo familiar, apesar de todas as outras relações que mantém fora do seio familiar; laços fortes, mas que compatibilizem os desejos de dependência e autonomia de cada um;
• Capacidade de mudança ou adaptabilida- de, de cada membro e de toda a família, para se ajustar ao novo e diferente que sempre vai acontecendo em cada um e na vida familiar;
• Competências para comunicar. Mais necessidade há de uma comunicação clara e afetiva perante problemas graves que podem surgir na família (por exemplo, em caso de doença, de desemprego, entre outros fatores).
Reconhecer uma crise
A família é um “nós”, uma entidade abstrata, e no concreto é um conjunto de pessoas interligadas por vínculos (sobretudo) de amor. E quando há uma crise familiar, o que nos alerta é o mal-estar, a dor que um ou mais dos seus membros sente e grita.
O que vemos é que a família, no seu conjunto, enfraqueceu ou perdeu algumas das suas qualidades que já enumeramos: a coesão dos laços entre os seus membros, a capacidade de adaptação e mudança, e a comunicação e a satisfação familiares. Ou que perverteu a sua estrutura hierárquica (por exemplo, os filhos “acima” dos pais), ou as alianças entre os seus membros não serem as mais naturais (por exemplo, uma mãe aliada a um filho e contra o marido/pai). Nunca perder de vista, no entanto, que uma crise é apenas um momento de perturbação, de estagnação.
Cada família tem as suas competências para resolver as crises que momentaneamente lhe barram o caminho, mesmo que às vezes algumas delas necessitem de uma ajuda externa que as ajude a reencontrar o trilho perdido. Afinal, a família são pessoas, e como tal têm momentos felizes e outros nem tanto, de impasse ou dificuldade no seu desenvolvimento, e nestes momentos o que as salva é o amor: do outro e pelo outro.
Nascimento do primeiro filho
Antes do nascimento de uma criança, há um casal e uma relação entre dois adultos; depois passa a haver a relação conjugal e a relação de cada um dos cônjuges com o filho primogénito. Dois adultos que têm, pela primeira vez, a “superior” função de pais.
Nasce o primeiro filho e com ele nasce esse novo grupo, ou sistema social, com regras e uma estrutura diferente das que existiam no casal. Onde, naturalmente, aparecem novos afetos e novas transações e novos desafios.
Os pais aprendem com este primeiro filho a ser pais. Na relação de casal havia (e continua a haver) uma relação entre dois adultos, com “poderes” iguais, mas agora, cada um dos dois adultos, o pai e a mãe, têm de construir uma relação com um ser humano em construção.
Nasce o primeiro filho e com ele nasce esse novo grupo, ou sistema social, com regras e uma estrutura diferente das que existiam no casal.
Entre o pai e a mãe dizemos que há uma relação horizontal, entre o pai e o filho e entre a mãe e o filho tem de haver uma relação vertical, isto é, onde o poder e a responsabilidade está no adulto, que tem de proteger, cuidar e educar o novo ser. Essa é a maior de todas as diferenças e dificuldades na assunção do novo e responsável papel de pai e de mãe: pela primeira vez estes adultos são responsáveis por um novo ser humano.
E se essa é uma elogiosa e prazenteira tarefa, também poderá gerar alguma ansiedade, porque tudo o que é novo e se faz pela primeira vez estranha-se e gera incertezas e dúvidas.
Educar uma criança
As experiências do passado, do que os novos pais foram enquanto filhos, irmãos, netos, sobrinhos… todos os anteriores papéis que desempenharam podem influenciá-los a estar mais confiantes (ou não) nas novas tarefas como pais. Mas se o passado de cada um é importante, o desafio é o tempo presente da relação deles, como casal, de se manterem cooperantes e complementares na nova tarefa de educar o filho. Sendo agora também pais, continuarem a viver-se como um casal.
O primogénito desfrutará, então, desse saudável ambiente conjugal e familiar: se for recebido de alma aberta e se tiver os olhos e o colo dos pais só para si, terá facilitado o seu desenvolvimento nas suas mais diversas dimensões (afetivo-cognitivo, físico-motor, social).