Brincar é fazer, não apenas pensar ou desejar, e fazer implica um espaço e tempo entre o cuidador e o bebé, diz-nos o psicanalista Winnicott.
Teresa Abreu, psicóloga clínica, explica que são muitos os especialistas a debruçar-se sobre o assunto.
O que distingue o brincar de outras formas de atividade humana são as suas qualidades de espontaneidade e iniciativa própria, todas as crianças têm um desejo intrínseco de brincar.
Brincar faz uso do cuidador como mediador entre a criança e o mundo e da manipulação simbólica de objetos, é um faz de conta que permite a construção de regras, é divertido e quase sempre livre de risco e não necessita de ter um propósito.
Já o pediatra Bernard Golse atenta para o facto de que, enquanto a criança pode pedir “queres brincar comigo?”, o bebé não pede nada, exige que brinquemos com ele e, quan- do está tudo bem, dá-nos uma profunda vontade de o fazer. Isto requer dos pais uma certa maleabilidade para se oferecerem como objeto lúdico do bebé, a partilha de afetos e prazer e o encaixe que deixa sempre um pequeno espaço entre o que a criança vive e o que o outro lhe devolve.
Brincar pode ser visto como uma forma de a criança entender o mundo.
Sobre o brincar na primeira infância, há uma ideia partilhada pelos investigadores da atualidade: as brincadeiras são uma parte central do crescimento e do desenvolvimento neurológico. As neurociências descobriram que desde a nascença, e até antes, o cérebro do bebé está cheio de células que são ativadas em resposta às interações e experiências que tem com o mundo, especialmente nos primeiros três anos, um vínculo seguro aos pais e o brincar de forma envolvida e interessada podem moldar e estruturar o cérebro infantil. E, embora ainda não haja um entendimento completo da “ciência do brincar”, como já é denominada por quem estuda esta linha de investigação, há muitos comportamentos observados que vêm evidenciar esta tese de se aliar o brincar à saúde.
O despoletar da brincadeira
Stuart Brown, fundador do National Institute for Play, é defensor desta ideia. Diz o investigador que brincar na infância permite que as crianças cresçam mais inteligentes e felizes, e que, enquanto adultos, se o souberem fazer de forma continuada, ajuda-os a tornarem-se mais inteligentes. De acordo com o psiquiatra, é grande a importância das descobertas científicas que têm surgido em torno dos primeiros contactos entre as mães e os seus bebés, conforme revela numa conferência no TED, plataforma disponível na Internet com circuitos de palestras que se propõem a reunir as melhores ideias do mundo inteiro.
“Quando a mãe e a criança cruzam os seus olhares e a criança tem idade suficiente para sorrir, o que acontece – espontaneamente – é uma grande alegria por parte da mãe. E ela começa a balbuciar e a sorrir, e assim também faz o bebé”, diz Stuart Brown, explicando que, se a mãe e o bebé estiverem ligados a um eletroencefalograma, é possível constatar que o lado direito do cérebro de ambos está em perfeita sintonia. Este é um bom exemplo de uma pista, entre tantas outras, que leva a que muitos cientistas estejam a procurar compreender melhor o despoletar destas primeiras brincadeiras, dos jogos de interação e de toda a fisiologia por detrás deste processo natural.
A descoberta do outro
A chave do desenvolvimento humano está no brincar, acredita também o médico pediatra João Gomes-Pedro. No seu entendimento, a interação entre a mãe e o bebé desde os seus primeiros segundos de vida torna-se no “paradigma mais perfeito do brincar”. Nessa relação tão íntima e próxima, estabelece-se aquilo que o pediatra define como sendo uma sequência de momentos lúdicos, que podem durar por períodos variáveis (segundos ou minutos), nos quais cada um dos atores envolvidos fixa os comportamentos de um e de outro, reagindo com os seus próprios comportamentos de resposta, de estimulação e também de sintonia.
Hoje sabe-se que os bebés são inteligentes, ativos e sociais. Quanto mais os bebés forem estimulados e mais atrativo for o meio envolvente, mais sentem necessidade de explorar.
Hoje, sabe-se que os bebés são inteligentes, ativos e sociais. Quanto mais os bebés forem estimulados e mais atrativo for o meio envolvente, mais sentem necessidade de explorarem. O bebé nasce já com uma predisposição para brincar e para suscitar atenção e afeto por parte dos outros, defende Gomes-Pedro.
“O que é cada um e em que é que cada um se torna constitui o grande mistério do desenvolvimento”, diz o pediatra numa conferência em 2005, cujo texto se encontra publicado na revista Caderno do Bebé (Fim de Século, 2006), acrescentando: “Parte da magia deste enorme desconhecido identifica-se com o modo como cada um interpreta o que se passa consigo, o que se passa à sua volta e, sobretudo, o modo como se processa a sua relação entre si e os outros”. Assim, o brincar vem formar a essência da criança como pessoa que é à nascença.
É nestes comportamentos que surgem os primeiros confrontos com os outros, mas também consigo próprio: “Para mim, brincar, cada vez mais, é o exercício da aprendizagem do sentido individual da coerência. Será, se se quiser, o exercício da afinação deste sentido de coerência, naturalmente desenvolvido numa atmosfera de emoções trocadas, de afetos comungados, de prazeres partilhados”, diz Gomes-Pedro.
A base do pensamento
É através da capacidade de brincar que a criança irá começar também a organizar o seu pensamento, garante, por seu lado, Isabel Êmpis, psicóloga, referindo-se à importância das brincadeiras na primeira infância, num texto da mesma revista científica intitulado “Brincar a Pensar, Pensar a Brincar”.
Como refere, “é no prazer com que brinca que a criança irá encontrar a razão de continuar sempre a brincar e a pensar, numa aquisição permanente de novas aptidões, nesta magistral articulação das suas competências físicas, emocionais e cognitivas, que advém do seu progressivo crescimento”.
Quer com isto dizer que é no brincar prazeroso que o bebé vai manipular objetos e atribuir-lhe, aos poucos, diferentes significados, simbolismos e qualidades. Nestas brincadeiras, vão-se construindo os alicerces para a construção do mundo, mas também do pensamento, já que a criança vai interiorizar conceitos e relacioná-los entre si, frisa Isabel Êmpis.
Dimensões do brincar
Consoante o seu desenvolvimento físico, psicológico e afetivo, o bebé vai começar a explorar e a desencadear ações simples (agarrar, olhar, empurrar), que o ajudarão a descobrir o mundo. E brincando começa a combinar objetos (esconder um dentro de outro, empilhar). Vai também atribuindo ações aos utensílios diários que os adultos usam (usa-se o lápis para escrever, os óculos para ver…).
Como explica Teresa Abreu, “encher um cesto de tesouros com objetos do dia a dia não custa nada e pode ser uma experiência partilhada enriquecedora para os bebés que descobrem o seu mundo através dos sons, do cheiro, de sentir diferentes texturas e ver a cor e os contornos”. O brincar surge, assim, associado a diferentes dimensões, das quais faz parte o imaginário, recurso muito próprio da natureza das crianças que têm a capacidade de transformar um pau de vassoura num cavalo, uma caixa de fósforos num instrumento.
“Para além de libertar o corpo da energia excedente, o brincar pode ser visto como uma forma de a criança entender o mundo que a rodeia, desenvolver a sua capacidade de pensar, o pensamento abstrato e a comunicação, de refletir sobre os seus estados internos e aprender a gerir as emoções, a expressá-las, a criar sentido a partir das suas experiências, estabelecendo uma autoestima positiva e confiante”, acrescenta Teresa Abreu.
Ideias-chave
- Brincar é uma chave essencial para o crescimento e para o desenvolvimento neurológico.
- O bebé precisa que brinquem com ele.
- Os bebés nascem já com uma predisposição para brincar e para suscitar atenção e afeto por parte dos outros.
- Brincar ajuda o bebé a organizar o seu pensamento e a construir ideias.
- É no brincar prazeroso que o bebé vai manipular objetos e atribuir significados, simbolismos e qualidades.
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
Caderno do Bebé, coordenação de José Carlos Coelho Rosa e Sátya Sousa