Logo que o bebé nasce, os pais são chamados a atender às suas especificidades. Saiba qual a importância de ter respeito pelas suas especificidades enquanto pessoa.
Teresa Abreu

Longe vão os tempos em que o bebé, a criança, não existia, era uma criatura que não pensava, sem mente, nem emoções próprias, “gente pequena”, obrigados a trabalhar até ao limite da sua resistência, ou era um ser essencialmente passivo, centrado na sua atividade alimentar e recebendo tudo do meio envolvente, o lactente, algo puramente funcional. O bebé
e a criança são invenções recentes. Ter filhos envolve um investimento cada vez maior
em várias dimensões: financeira, temporal, emocional, social e ao nível das expectativas de desempenho parental, pelo que o número de crianças por família reduziu e a criança passou a ser vista como “sua majestade, o bebé”, pequena maravilha, criança-brinquedo, cuja vocação e destino seria satisfazer os pais.

A criança é um estranho

Francoise Dolto, médica e psicanalista, dizia que «a criança é um estranho para o adulto» e que «existe uma igualdade fundamental entre os seres humanos de todas as idades», o que nos coloca perante um paradoxo, uma vez que a interação com o bebé é assimétrica. Ele depende de nós, no período em que o psiquismo se estrutura, o desamparo impera e a necessidade de proteção é fundamental. Quem não foi alvo, em algum momento, da superioridade dos pais? Alguém questionava: se não bate no seu marido ou na sua melhor amiga, porque bate na sua criança? De facto, o bebé depende não só do nosso corpo de mãe ou de pai mas também, e sobretudo, da qualidade do ser que somos e que, por sua vez, depende da qualidade dos adultos que povoaram a nossa infância. É hoje aceite que não podemos compreender os nossos filhos se não reatarmos a nossa infância esquecida.

Existe uma igualdade fundamental entre os seres humanos de todas as idades.

Francoise Dolto

Médica e Psicanalista

Ajudar o bebé a construir-se

Logo que o bebé nasce, somos chamados a atender às suas necessidades essenciais. Bernard Golse, pediatra, pedopsiquiatra e psicanalista, refere que «o bebé em si mesmo é um mundo» e que cabe aos pais ajudar a que o encontro entre o mundo do bebé e o mundo cheio de sensações que ele descobre à nascença seja possível e frutuoso, isto é, temos de ajudar o bebé a construir-se e a tornar-se pessoa. Para tal precisamos de compreender melhor o seu mundo, para protegê-lo de riscos de uma sociedade capaz de «produzir objetos supérfluos e precários» e de os tornar indivíduos «inúteis e frágeis», ou, nas palavras de Ilana Novinsky, antropóloga e psicanalista, «indivíduos avulso», cuja falta de sentido existencial os deixa suscetíveis a ideologias englobalizantes num mundo solitário.

Cuidar e aceitar o bebé

Segundo Maria José Gonçalves, psicanalista e pedopsiquiatra, a capacidade de tolerância da incerteza do bebé depende do grau de sintonia afetiva mãe-bebé e da capacidade de tolerância da mãe. As mães tornam-se especialistas em gerar afetos e em compreender os estados afetivos do seu bebé; em decifrar os diferentes tipos de choro e sinais do bebé; em perceber o seu entusiasmo pelo novo, a sua capacidade de exploração e o seu desejo de descoberta. O encantamento mútuo mãe-bebé não anula as falhas da mãe, que tem um interior desconhecido para o bebé que ele vai ter de imaginar, nem as do bebé
a quem ela vai ter de dar sentido. Ilana Novinsky defende que antes de ser uma ação, o cuidar constitui uma atitude de respeito pelo outro, pela singularidade do bebé. «Cuidar implica tolerar o outro, porque quem não foi tolerado, isto é, aceite e recebido, tem muita dificuldade em tolerar.»

Era suficientemente boa mãe

Se na minha carência ou no meu vazio me torno uma mãe omnipresente, o meu bebé fica enclausurado numa relação sem conflito, sem escapatória, ou se no outro extremo me torno uma mãe negligente e maltratante por projetar a raiva de uma existência sem senti do, o meu bebé é negado, e em qualquer dos casos, fica vazio de autoria. Se estou deprimi- da, o bebé esgota-me com as suas necessidades imperativas. Algures numa trajetória de ambivalência em relação a este bebé, com o meu amor e o meu ódio, sentimentos que permeiam todas as relações afetivas, vou ter de redistribuir os meus investimentos para que possa ser suficientemente boa mãe. O pai tem aqui um papel fundamental, pois pode apoiar e proteger a mãe dos seus impulsos mais agressivos, ao mesmo tempo que é protegido por ela contra esses mesmos impulsos.

A educação e os outros

É vital o compromisso e a responsabilidade também dos outros: família, amigos, sociedade, profissionais que podem desempenhar um papel protetor dos pais. Nelson Mandela dizia que «para se educar uma criança é necessário uma aldeia inteira». A antropóloga Jean Liedloff, no seu livro The Continuum Concept, propõe a ideia de ser necessário criar uma «tribo», criando laços de interajuda e apoio mútuo com outras mães e pais no sentido de combater o isolamento a que a nossa sociedade cada vez mais nos remete, e criar os bebés em constante contacto com as mães – ou outro cuidador familiar – enquanto estas estão nas suas vidas, mas atentas e responsivas às necessidades sinalizadas pelos seus bebés.

Acariciar o bebé transmite-lhe amor, segurança e cria uma reciprocidade entre os pais e o bebé, ajudando-os a conhecê-lo melhor do que o que qualquer livro lhe possa dizer.

Como é o bebé sonhado

Mais do que sobreviver, é importante viver, deixar-se entusiasmar por este bebé sonhado, fruto de um amor e de um projeto de vida partilhado ou pelo menos suficientemente aceite para aí estar, porque é este entusiasmo, este amor, que lhe vai conferir existência. Corpo de desejo e de prazer, constrói-se nas trocas com a mãe, na primeira fase da amamentação em que o bebé mergulha no odor da mãe, cinco meses passados já diferencia

a mãe do pai e lidera a relação com intencionalidade afetiva, quando se senta no mês seguinte “agarra o mundo com o olhar”, aos nove, dez meses gatinha e põe-se em pé, testa a sua autonomia quando pai e mãe estão lá para festejar e, num instante, começa a andar e se torna um parceiro de descobertas e de “faz de conta”; o desejo de comunicar leva-o à palavra, e a confiança de quem é digno de ser amado faz de si uma pessoa inteira.

Criar laços de amor

Acariciar o bebé transmite-lhe amor, segurança e cria uma reciprocidade entre os pais e o bebé, ajudando-os a conhecê-lo melhor do que o que qualquer livro lhe possa dizer. Quase nunca se erra ao pegar demais no bebé, mas pode pegar-se de menos – é o que nos diz Michael Jellinek, pedopsiquiatra. Pegar demais só é prejudicial se surge de uma ansiedade excessiva da mãe de que aconteça algo terrível, quando é por medo e não por prazer, quando a mãe se esforça demasiado por ser “a mãe perfeita”.

Stanley Greenspan, pedopsiquiatra, refere que algumas mães levam a peito quando o bebé se afasta ou parece não estar satisfeito quando o tocam, interpretam que ele não gosta delas; «não desencorajem», recomenda o especialista, «o toque é como qualquer outra sensação, alguns gostam de Beethoven, enquanto outros apreciam rock. Não se iniba, tente tudo, vai encontrar uma forma de se sentir próxima, que traga prazer ao bebé e a si.»

AUTORES CONSULTADOS
Eliane Faria, Psicanalista
Bernard Golse, Pediatra, Pedopsiquiatra e Psicanalista Ilana Novinsky, Antropóloga e Psicanalista
Maria José Gonçalves, Psicanalista e Pedopsiquiatra Michael Jellinek, Pedopsiquiatra
Francoise Dolto, Médica e Psicanalista
Stanley Greenspan, Pedopsiquiatra
Jean Liedloff, Antropóloga