Por volta dos dois anos, os bebés ficam maravilhados com a sua autonomia. O pediatra Mário Cordeiro explica como impor limites é fundamental para a construção da identidade da criança.
Ana Margarida Marques

É preciso não ter medo de assumir o papel de pais e pensar que os primeiros anos de vida dos filhos são uma referência para as próprias crianças pela sua vida fora, acredita o pediatra Mário Cordeiro. Aos pais, o médico alerta para a importância de impor limites desde cedo.

Qual é a importância de dizer “não”?

Dizer “não” expressa o contrariar o desejo intrínseco da criança em ser omnipotente, egoísta e narcísica, é uma pulsão que existe em todos os seres humanos. O “não” e o estabelecimento de limites são fundamentais para o desenvolvimento de uma pessoa estruturada e sensível, solidária e participativa, e com maior aptidão para se integrar na sociedade e ser mais facilmente feliz.

 Qual a importância de os pais distinguirem o “sim” e o “não”?

É importante que digam sim para eles e não para a criança, relativamente à mesma coisa, por exemplo: eu posso comer e tu não. Estatutos diferentes, pessoas diferentes, hierarquias diferentes. Não deve sequer haver demasiadas explicações. Quanto muito podem dizer “um dia, quando cresceres, terás acesso a isto”.

Deve a resposta dos pais à criança ser sempre justificada?

Explicada sim, demasiado justificada não, ou parecerá haver algo escondido ou algum complexo de culpa da parte dos pais. Explicar sim, para que as crianças vão entendendo a base e o racional das decisões que se tomam. O “sim” e o “não”, sem mais nada, são atos ditatoriais e que manifestam desprezo pelos outros, a arrogância e a sobranceria.

O “não” e o estabelecimento de limites são fundamentais para o desenvolvimento de uma pessoa estruturada e sensível, solidária e participativa, e com maior aptidão para se integrar na sociedade e ser mais facilmente feliz.

Muitos pais de crianças com esta idade queixam-se de não “ter mão” nos filhos. Que conselhos pode dar a estes pais?

Serem firmes, assumirem-se como pais, não terem medo de o ser e, mais, pensarem que educar é um ato de amor e de dádiva, e que os caminhos que apontarem hoje às crianças serão os que elas, depois, quando adolescentes e adultos, usarão. Se aprenderem a ser narcísicos, arrogantes, com a atitude de “quero, passo e mando”, serão assim no futuro, o que fará delas pessoas infelizes e que espalham a infelicidade à sua volta.

Que tipo de enquadramento ou limite devem os pais assegurar com crianças dos zero aos três anos?

Os limites do bom senso, designadamente os relacionados com a segurança e a prevenção de acidentes. O aprender a lidar com o mundo físico, mas também com o mundo relacional: respeito, autonomia, responsabilidade. 

De que modo cuidar e educar nesta fase contribui para a personalidade da criança e para o desenvolvimento da criança enquanto pessoa?

De um modo tão intenso e determinante que a maioria das pessoas tem dúvidas em acreditar. Os três primeiros anos de vida são fundamentais para sermos melhores pessoas e evitarmos os impulsos narcísicas e omnipotentes, para aprendermos a respeitar o espaço e a pessoa do outro e a aprendermos regras sociais. Mais, entendermos que não somos deuses, mas que não perdemos nada com isso. E que nem sempre podemos fazer o que queremos (frustração), mas que não seremos infelizes por isso. É fundamental perceber que a felicidade se encontra nas pessoas, nos sentimentos e nas coisas pequenas, e isto aprende-se nesta idade.

Temos todas as hipóteses de, com os conhecimentos científicos atuais, “produzir” gerações cada vez melhores, do ponto de vista biológico, psicológico e social. Basta querer.