No seu dia certamente terá momentos em que conversa com o seu filho ou com a sua filha sobre a forma como correu a escola ou uma outra actividade. “O teu dia correu bem?” ou “O que fizeste hoje?” são perguntas comuns entre os membros da família.
Com estas perguntas pretendemos saber como é que a criança sentiu o dia e o que pensa sobre a forma como dia correu. Colocamos em prática o movimento de voltar a pensar no dia ou na actividade.
Neste movimento de voltar atrás no dia, temos uma oportunidade para pensar no que fizemos, no que gostámos, no que não gostámos ou no que aprendemos. A criança também pode referir com quem brincou ou referir algo divertido ou aborrecido no seu dia.
Pensar sobre o pensamento
Nas oficinas de filosofia que dinamizo guardo os minutos finais para pensarmos sobre o trabalho de pensar sobre o que cada um de nós viveu durante a oficina.
Uma das formas de fazer este trabalho de voltar atrás passa por apresentar ao grupo um conjunto de objectos que vão ajudar-nos a explicar o que aconteceu na oficina. Esses objectos são apresentados ao grupo e é pedido que cada participante associe um objecto à oficina de filosofia. Há crianças que associam o objecto escolhido a um momento da oficina, outras associam a um conceito ou uma palavra que surgiu no diálogo, outras associam o objecto a uma pergunta.
A régua, a tesoura, o pisa-papéis e o quantos queres
Vou partilhar alguns exemplos que aconteceram nas minhas oficinas. Perante os objectos tesoura, régua, pisa-papéis e quantos queres, uma criança escolheu o pisa-papéis e disse. “A oficina foi pesada, como o pisa-papéis.”
Perguntei por que é que a oficina tinha sido pesada.
A resposta: “porque estivemos a falar de várias coisas e isso pesa na cabeça, cansa.”
Esta resposta é algo geral, no sentido em que poderá ser associada a várias oficinas de filosofia. Outras associações de ideias poderão ser mais específicas e relacionadas com aquela oficina em particular. Um exemplo: numa das oficinas em que dialogamos sobre a pergunta “É divertido ser invulgar?”, um dos participantes escolheu régua que, por ser de madeira, era invulgar. Neste caso a associação foi feita entre um dos conceitos abordados na oficina e o objecto.
Uma sugestão para pensar em família
A minha sugestão é de que os pais aproveitem um desses momentos de diálogo com o seu filho ou a sua filha e, perante quatro ou cinco objectos, peçam à criança escolher qual deles diz melhor como foi o seu dia. Importante: todos participam nesta partilha, miúdos e graúdos.
Procure objectos comuns: uma caneta, um prato, um perfume, uma máscara, uma tesoura, um bloco de post its. Se fizer este exercício em divisões diferentes da casa poderá ter objectos diferentes que vão permitir associações de pensamento diferentes.
Permita que a criança explore a associação de ideias de forma livre. Esta liberdade implica ouvir e aceitar algumas ideias que podem parecer tontas, à primeira vista. Caso a associação de ideias lhe pareça absurda, explore as razões com a criança. Utilize perguntas como: “Podes explicar melhor o que X tem a ver com Y?”, “Nunca tinha pensado nisso. Podes ajudar-me a entender?”, “Isso é uma coisa mesmo nova, podes mostrar-me como é que A se relaciona com B?”.
Permita que o diálogo flua, pedindo as razões e registando num diário as vossas associações. Participe do exercício e faça a sua escolha de objecto e apresente a sua ideia à criança.
Se fizer este registo diariamente pode voltar atrás no tempo e recuperar associações de ideias feitas com os mesmos objectos, em dias diferentes. Será uma espécie de viagem no tempo, em família.
Quem diria que uma régua serve para viajar no tempo?
Joana Rita Sousa é filósofa, mestre em filosofia para crianças e responsável pelo projeto filocriatividade.
Por opção da autora, este texto não está conforme as normas do novo Acordo Ortográfico.