Depois dos “terrible twos”, eis que chegam os três anos. A idade em que os bebés supostamente deixam de o ser. Já não há fraldas, chuchas, nem biberões. E os pais esperam que a sua vida acalme. Será que acalma?
Patrícia Lamúrias

Determinação: “Para mim, os três anos são o momento da infância em que a criança é mais plena, mais verdadeira, mais genuína, mais transparente, mais ela própria”, descreve Magda Amaro, mãe da Marta, com três anos e sete meses, relembrando que é nesta idade que as crianças revelam melhor as suas emoções e as suas preferências: “Desde a escolha da melhor amiga, dos sapatos, do gancho ou do programa de televisão, ela sabe sempre bem o que quer”. E contrariá-la, exige muita “ginástica” e “justificações lógicas”.

Energia: “A Clara não para. Salta, baloiça, rodopia, explora… Noto que a sua curiosidade, criatividade e coordenação motora estão muito mais potenciadas. O que sinto nesta fase é que os pensamentos e o corpo da Clara não param nunca!”, conta Filipa Fonseca, mãe da Clara, de três anos e meio.

Autonomia: “Já faz tudo sozinho, mas ainda é muito trapalhão. Por exemplo: já não usa fraldas, mas ainda precisa de muita ajuda para ir à casa de banho. Quando vai sozinho, muitas vezes, grita-me: Mãeeeee, fiz xixi por todo o lado! Já não usa chucha, mas às vezes apetecia-me que ainda usasse para se acalmar mais rapidamente… Já come sozinho, mas suja-se todo. Já se veste e calça sozinho, mas muitas vezes as camisolas e os sapatos ficam ao contrário…”, descreve Isabel Martins, mãe do Vicente, de três anos e dez meses.

De facto, estas são as principais três características de uma criança de três anos: determinação, energia e autonomia. Os três anos marcam a passagem de bebé para criança, da creche para o pré-escolar. É o adeus aos “terrible twos”, em que as dificuldades de expressão do bebé conduziam, muitas vezes, às birras e ao descontrolo, e a entrada numa fase em que pais e filhos se começam a entender melhor, a ganhar cumplicidades, a encontrar parecenças de personalidade, a ter as primeiras grandes conversas, fruto da aquisição de uma linguagem mais elaborada e de uma imaginação ainda sem filtros.

Para Filipa,  a capacidade de fantasiar é a principal descoberta na fase dos três anos: “Uma vez, ao passearmos num jardim a Clara saiu-se com esta: ‘Mãe… e se de repente uma laranjeira desse bicicletas?’ Eu, apesar de surpreendida, aproveitei a deixa para dar asas à imaginação e conversámos muito sobre os “impossíveis”. Como ela percebeu que eu achei muita graça ao comentário, foi criando outros “impossíveis” e temos feito disso um jogo engraçado entre nós”.

É precisamente nesta fase que as crianças fazem as observações e comentários mais hilariantes e que têm as mais puras demonstrações de amor: “Um dia a Marta disse-me: Tu és a minha mãe preferida. E eu perguntei: Mas tens outras Martinha? Ao que ela respondeu: Sim, os meus amigos têm outras mães, mas tu és a mais linda de todas porque és minha!”, conta Magda.

Aos três anos, as crianças são umas verdadeiras esponjas desejosas de apreender o mundo. É a altura ideal para lhes ensinar a andar de bicicleta (com rodinhas ou não), a andar na rua em segurança (já percebem que não podem correr para a estrada), a comer com garfo e faca (mesmo que sejam de plástico), a lavar os dentes (se engolirem alguma pasta não faz mal), a desenhar com lápis, canetas e pincéis (longe de paredes e sofás), a cantar com entoação (alternando entre ‘olhá bola Manel’ e ‘because I’m happy’). As possibilidades são imensas e, salvo raras exceções, nesta idade, qualquer proposta para experimentar uma atividade nova desperta-lhes um enorme entusiasmo.

Ser crescido

O sentido de responsabilidade começa agora a evidenciar-se, ao mesmo tempo que a palavra “crescido” passa a ser constante no discurso da criança e dos que a rodeiam. Ser considerado crescido é o seu maior motivo de orgulho. De tal forma que chamarem-lhe bebé torna-se uma grande ofensa: “Quando eu o quero ajudar a fazer certas coisas, o Vicente responde logo: já sou crescido! E quanto mais eu o faço sentir crescido, mais ele o quer ser. Quando estou a pôr a mesa ou a fazer o jantar, muitas vezes pergunta: ´Posso ajudar-te?´. E tento sempre encontrar tarefas para ele fazer e se sentir verdadeiramente crescido”, diz Isabel.

Para Marta, a maior ofensa que lhe podem fazer é rirem-se de algumas expressões em que ainda tem dificuldade: “Ela está naquela fase de ser muito menina. Adora ‘bamboletes’ e ‘côroas’ e a cor preferida é o ‘cu de rosa’, mas fica furiosa se nos rimos de alguma palavra menos acertada que ela tenha dito”.

Liberdade e saudade

Quando os filhos atingem os três anos, os pais começam a sentir uma leve sensação de liberdade. Mas será que é real? “Ainda não me sinto liberta, nem pensar! É verdade que a Clara está mais autónoma, todavia é uma fase ainda muito exigente porque não para. Ando sempre a correr atrás dela, ora falta calçar os sapatos, ora falta pentear, ora falta o chapéu. Depois a Clara corre atrás de nós porque quer brincar, jogar, andar de bicicleta, etc.”, confessa Filipa. Magda concorda: “É uma fase de maior independência, mas não minha (suspeito que independência de mãe é utopia…), dela sim. Adora ficar a dormir na casa da avó, onde a única regra é… ser feliz. Na casa da avó é sempre o centro das atenções e acho que isso lhe dá uma certa confiança e liberdade para explorar o que existe em seu redor sem ter a mãe ou o pai por perto”.

Apesar de se sentir “longe de ter uma vida descansada”, Isabel reconhece que os programas fora de casa já correm muito melhor. “Ir ao restaurante ou ao supermercado já é mais pacífico. No parque ou no jardim já não preciso de andar sempre atrás dele a dar-lhe apoio”. E em casa também: “Há pouco tempo deixou de vir para a nossa cama à noite. O que eu acho que até vou ter saudades…”

Obviamente todas as idades são especiais e importantes, mas os três anos sabem um pouco a despedida: a pele parece que já não tem aquele cheirinho de bebé e a proeminente barriga de bebé está a desaparecer. De repente, temos ao nosso lado uma criança, com gostos e vontades, cheia de energia e determinação, que já mal nos cabe no colo. Respiramos fundo e sentimos que, afinal, passou tudo tão rápido.

Parâmetros de desenvolvimento


Marcha e motricidade grossatrepa;

  • consegue subir e descer escadas alternando os pés nos degraus;
  • dá um pontapé numa bola;
  • corre com facilidade;
  • pedala num triciclo;
  • inclina-se para a frente sem cair.
  • inclina-se para a frente sem cair.

Motricidade fina

  • desenha linhas verticais, horizontais e circulares com uma caneta ou lápis;
  • volta as páginas de um livro;
  • faz uma torre de seis cubos;
  • pega num lápis corretamente;
  • consegue enroscar e desenroscar;
  • dá volta aos volantes.


Linguagem

  • obedece a ordens com duas ou três linhas de ação;
  • reconhece quase todos os objetos e imagens comuns;
  • percebe a maioria das frases;
  • percebe conceitos físicos relacionados como “sobre”, “dentro”, “debaixo”, etc.;
  • sabe o seu nome, idade e sexo;
  • as pessoas que não o conhecem entendem a maior parte do seu discurso.

Sinais de alarme

  • cai com frequência;
  • tem dificuldade em subir ou descer escadas;
  • baba-se muito;
  • tem uma linguagem não entendível pelos mais próximos;
  • não consegue fazer uma torre de mais de quatro cubos;
  • não consegue manipular objetos pequenos;
  • não consegue desenhar um círculo;
  • não consegue comunicar, mesmo com pequenas frases;
  • não se interessa pelo faz-de-conta;
  • não entende ordens simples;
  • pouco se interessa pelas outras crianças, nem sequer para conflitos;
  • ansiedade de separação constante.

Fonte: “O Livro da Criança”, Mário Cordeiro