Rapazes gostam de dançar e de ballet? Força!
A dança é das artes mais antigas, não apenas pelo seu caráter lúdico e estético, mas porque dançar é intrínseco à humanidade: basta ver como os bebés se movem em danças rítmicas, ainda na barriga da mãe, desde que tenham um estímulo que os “agite”, sem precisarem de muitos ensinamentos.
As crianças crescem e vão escolhendo (ou os pais vão-lhes impondo) atividades diversas, mas curiosamente a dança torna-se um expoente do machismo e do sexismo. Tirando “danças de salão”, que surgem mais tarde, a dança em geral e o ballet em particular ficam reservados às raparigas. O velho ditado “um homem não chora” parece ter sido substituído por “um homem não dança” (a não ser em discotecas ou salões de baile vitorianos…).
Paralelamente, à medida que crescem, e por causa deste tipo de imposições, muitas crianças e adolescentes sentem que, a determinada altura, têm de fazer quase como uma opção entre eles próprios e os amigos. Não desejando ser ostracizados ou banidos, têm por vezes de enfrentar o grupo, unido enquanto tal e, como este não é muito dado a cedências, são os seus elementos, em particular, que têm de aderir às ideias gerais, e também prescindir das suas. Isso acontece, sobretudo, àqueles que têm maior maturidade e ideias próprias, que se querem afirmar no seu percurso de autonomia, mas que ainda não encontram – até pela pouca idade –, força suficiente para resistir e correr o risco de ficar só.
As crianças crescem e vão escolhendo (ou os pais vão-lhes impondo) atividades diversas, mas curiosamente a dança torna-se um expoente do machismo e do sexismo.
Associando as duas coisas, recordo-me do caso de um adolescente que segui, que a dada altura resolveu ir para o ballet, dado que pretendia explorar a relação do seu corpo com o meio, com a música e com o espaço. Criticado por todos, na escola e nos restantes grupos de pertença, teve a força suficiente para se manter na dança, felizmente com o apoio sólido dos pais, que sempre o deixaram desistir, se ele desejasse, mas manter-se no ballet, se essa era a sua verdadeira vontade.
Passados uns meses, por ocasião de uma festa na escola, este rapaz “deu show” na sua expressão corporal, a qual encantou os espectadores, e rapidamente viu as raparigas a rodeá-lo, “gulosas”, perante um macho tão elegante e com uma relação tão boa e síncrona com o corpo.
Posso jurar que, passados uns dias, muitos alunos foram pedir aos respetivos pais para se inscreverem no ballet, e que o grupo o aceitou, ou dito de outra forma, o elegeu como um dos líderes.
Em muitos casos, porém, a força de vontade e o apoio em casa não é tão grande, as dúvidas surgem, e vai-se pelo caminho aparentemente mais fácil: ceder, “encarneirar”, dizer que sim a supostos chefes, mas ao mesmo tempo deixar para trás sonhos, ideias, ideais, tempo e a exploração mais profunda de aspetos que são, se devidamente colocados, muito estruturantes da personalidade: o poder de decisão, a responsabilidade, a autonomia, a afirmação do Eu e, até, a solidão.
Que os adultos não se distraiam e que se lembrem sempre de escutar os mais novos e apoiá-los, no seu percurso de vida. Que as crianças e adolescentes saibam que, na vida social, há que fazer compromissos e cedências, mas nunca abdicar do que somos para agradar aos grupos ou a efémeros gurus. Finalmente, que a arte nobre da dança e no caso particular o ballet, quando praticado por rapazes, que deixe de ser visto como muitas vezes ainda é, e sejamos francos: um “caso de orientação sexual”. De todos os disparates que se dizem, este deve ser um dos maiores. Rapaziada: gostam de dançar e de ballet? Força e apliquem-se!