O alarmismo é mau conselheiro
Os pais do António estavam preocupados. Raramente o filho estava doente, dado que ainda não tinha entrado nessa coisa “horrível” chamada infantário (a que chamavam, com desdém, “infetário”), e pensavam que o bebé seria poupado a doenças. Todavia, apesar de estar em casa dos avós, o António tinha febre e tossia. A febre não era muito alta, mas andava murcho e dormia mal, com os ataques de tosse. Comia, embora menos, e até brincava e sorria com as graças que o avô lhe fazia, mas os pais estavam preocupados.
Dezoito meses sem uma única doença e pronto: o paraíso não podia durar para sempre. Com a “ajuda” da avó, angustiada e stressada, os pais descontrolaram-se. O António estava, na opinião deles, muito doente. Perante a ameaça de palavras como “meningite”, “convulsões” ou outras coisas igualmente feias, dispararam para a urgência do hospital, voltando depois de seis horas de espera com um antipirético e nada mais. Os médicos tinham observado o António e concluído que se tratava de uma banal “virose”. Só uma virose! Uma reles constipação, no fundo… E eles a pensarem que o António estava tremendamente doente. Como tinha sido possível enganarem-se tanto?
Pensem numa fábrica ou laboratório onde existem várias salas, umas com pouca importância funcional (sala de espera, sala de leitura, corredores) e outras de vital importância (produção, experiências laboratoriais, computadores). Se houver uma falha de energia, imediatamente o sistema de apoio será ativado e privilegiará estes últimos setores, em detrimento dos restantes.
O corredor e a sala de espera terão luzes de presença e de emergência. Os computadores e os aparelhos das experiências terão a energia de que necessitam.
O mesmo acontece com o ser humano e, portanto, com os nossos filhos. Quando adoecem com gravidade e a sua energia tem de ser redimensionada, as primeiras áreas a serem poupadas são a atividade física, a brincadeira, as grandes manifestações efusivas, as birras, etc. O bebé faz-se ao repouso, está mais murcho, dorme mais. Quase não sorri e pouco reage quando estimulado.
Logo que fica melhor, já pode “acender a energia das salas menos importantes”, e brinca, grita, revolta-se, volta a ser o mesmo. Por isso é que se diz: “Criança calada e quieta, ou está a fazer uma asneira ou está doente.” Se está mexida e “ela própria”, então não há motivo para preocupação de maior.
No caso do António, estava tudo conservado: brincava, mesmo que com momentos mais calmos; comia, mesmo que menos; dormia, mesmo que com tosse; ria, bocejava e espreguiçava-se, mesmo que exigindo mais colo. Olhar a criança como um todo é fundamental, perante qualquer sintoma ou sinal. O António é o António, não é um mero somatório de pulmões, fígado ou baço. Além dos sintomas de doença, há que estar atento aos “sintomas de saúde” e, mesmo com o stresse natural da doença, de vermos os nossos filhos em baixo de forma, de termos o pânico que algo de mau lhes aconteça, há que manter um mínimo de lógica e de racionalidade. Por outro lado, a “urgentificação” de tudo, o querer resolver num minuto aquilo que tem o seu timing natural, geralmente dá em asneira.
Aquela correria inadequada e impensada para a urgência do hospital, além de cara e desnecessária, acabou por se transformar daí a uns dias, para o António, numa gastrenterite contraída na sala de espera… Pois…