Mário Cordeiro
Pediatra

Bebés da pandemia

Nov 23, 2021 | Mário Cordeiro, Opinião

Consequências do isolamento, do uso continuado de máscaras das educadoras e a exclusão dos pais do ambiente escolar.

Pode ser necessário. Pode ser excesso de zelo. Pode ser uma precaução fundamental. Há (como em tudo) várias “versões da história”. Todavia, independentemente das razões que assistem às medidas decretadas pela Direção-Geral da Saúde (DGS) e pelos estabelecimentos de ensino, a verdade é que há efeitos colaterais indesejáveis e que, em muito, vão prejudicar o presente e o futuro das crianças.

As crianças desde há dois anos têm sofrido muito 

Há quase dois anos que andamos nisto, e apesar de um bom epidemiologista saber que nenhuma pandemia durar menos de ano e meio, este estado pandémico continua, com altos e baixos e as medidas andam, como não poderia deixar de ser, aos avanços e recuos, porque, a acrescer ao ziguezague da situação infeciosa, há ainda um desconhecimento razoável relativamente ao comportamento do vírus e, ainda, à eficácia das medidas. O que é certo é que as crianças no geral, e as nascidas desde há dois anos em particular, têm sofrido muito com esta situação.

Isolamento nas escolas e educadores de máscara

Os atendimentos diurnos tiveram de fechar, ou de abrir com fortes medidas de segurança: sejam as interrupções “porque o pai da Maria está positivo”, o facto de os pais não poderem entrar nos estabelecimentos, as “bolhas” que isolam grupos de crianças ou que não deixam a sua interação com os outros se fazer de um modo espontâneo e natural, ou o uso de máscaras pelos educadores, que limita de forma grave (e esperamos que não indelével) a comunicação entre os adultos e as crianças; adultos esses, refira-se, que são cuidadores durante horas e horas em que as crianças estão ativas.

Consegue o bebé distinguir os adultos, se todos usam máscara?

Como é possível aprender a falar, a pronunciar palavras, a ter uma boa dicção, a saber que músculos usar para comunicar, não apenas verbalmente, mas também através das expressões e microexpressões faciais, e dos pequenos sinais que a face emana, se mais de metade do rosto de quem deveria ensinar e revelar esses sinais está tapada, por algo que, ainda por cima, é igual entre as diversas pessoas? Como se distinguem os adultos, nestas idades tão precoces, ou até como se entendem que há “mais adultos para lá dos pais”, se todos os seres humanos são iguais, seja a máscara azul, verde, branca ou de qualquer outra cor? A face humana passou a ser um adereço do vestuário e o “hábito não faz o monge”.

Consequências da exclusão dos pais do ambiente escolar

As ansiedades de separação aumentam, com a exclusão dos pais do ambiente escolar. As regras (e algumas “regrinhas”, por vezes exageradas) obstaculizam o que deveria ser uma entrada natural e normal no mundo “das gentes”, depois da vida “em conchinha” familiar e apenas com os pais e irmãos.

Enfim, muita coisa haveria a dizer, e até falar dos benefícios de as crianças não estarem tão expostas aos outros microrganismos, ou, pelo contrário, de não terem oportunidade de desenvolverem a imunidade à conta dessas pequenas infeções. As questões levantadas pela pandemia e suas medidas são longas e muito há a debater e aprofundar. Ficam aqui duas ou três das minhas preocupações. Retomarei o tema.

Apela-se ao bom senso

Pais: tentem que o bom senso impere e que negociar com as direções das escolas aquilo que é possível facilitar, sem obviamente pôr em risco as crianças e a sociedade. Discutam medidas e deixem a lógica funcionar. Lógica e bom senso. Sem facilitismos, mas também sem fundamentalismos. A bem das crianças!