A gravidez é algo de bom que acontece na vida de ambos os pais, uma espécie de consagração do seu amor ou sonho realizado, sobretudo quando é desejada. O período da gravidez refere-se às aproximadamente 40 semanas que permeiam entre a conceção e o nascimento do bebé e reflete toda a história dos pais, anterior ao momento da conceção. É o primeiro tempo dos pais no processo de “tornar-se mãe” e “tornar-se pai”. Durante esse processo, e enquanto o corpo da mãe forma o feto, pai e mãe apoiam-se um ao outro numa remodelação do sentimento de identidade, na construção da vida psíquica do futuro bebé e na criação de uma relação totalmente nova de três pessoas.
Se é verdade que “há tantas maneiras de ser mãe ou pai como pais e mães”, conforme defende Jean Bégoin, psicanalista e membro fundador do grupo de estudos psicanalíticos da criança e do recém-nascido, também é certo que o desejo de ter um filho e o desejo de se tornar mãe ou pai, são coisas diferentes. A especialista em Psicologia da Gravidez e da Parentalidade, Isabel Leal, defende que o desejo de ter um filho é apenas para tirar a prova de uma potencialidade biológica; já o desejo
em tornar-se mãe ou pai implica um investimento num projeto de filho a longo prazo. “Um filho nasce primeiro na imaginação e nos sonhos dos pais”, diz-nos Eduardo Sá, psicólogo e investigador no âmbito do feto e do bebé, que defende que existimos emocionalmente antes de nascermos.
Filomena Bayle, psicóloga clínica especialista na mesma área, propõe-nos uma reflexão sobre qual o lugar desta criança neste projeto, neste desejo de parentalidade? O que traz para o casal e qual a situação familiar nesse momento? O que representa a criança para a mãe e para o pai em relação à própria família?
Ponto de viragem
A parentalidade é, segundo Bayle, o processo de maturação que leva a uma reestruturação psico-afetiva que permite a dois adultos tornarem-se pais, isto é, responderem às necessidades físicas, afetivas e psíquicas do seu
filho. Ela inscreve-se numa dinâmica familiar que tem como pano de fundo um determinado momento sócio-económico, histórico e cultural. Os pais revivem de modo mais ou menos consciente e com maior ou menor intensidade, o seu próprio desenvolvimento passa- do, a relação com os seus próprios pais, nas suas facetas mais agradáveis, mas também nas mais difíceis ou conflituosas. Um homem ou uma mulher, que se preparam para se transformar em pai e mãe precisam de “dar um passo atrás para melhor saltar”, ou seja retirar-se ou retroceder para se reorganizar. A gravidez constitui este ponto de viragem que pode acarretar a perturbação ou mesmo o desalojar de modos de ser e estar habituais. É a opinião partilhada por vários especialistas, nomeadamente João Justo, psicólogo especialista na vinculação da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação de Lisboa para quem a gravidez é um período de crise que implica muitas mudanças de natureza diversa e em momentos diferentes, mas também um crescimento sem retrocesso. Ser pai ou mãe implica sair da posição de filho(a) para ser um cuidador.
Durante a gravidez, o desconhecido acorda, na mulher, fantasias inconscientes que a podem fazer sentir-se insegura, sensível e até vulnerável. Esse processo é normal e é funda- mental para que a mulher se transforme numa mãe naturalmente predisposta a ir ao encontro das necessidades do seu bebé, o que Donald Winnicott, pediatra e psicanalista infantil, de- nominou de “preocupação materna primária”.
O desejo de ter um filho e o desejo de se tornar mãe ou pai, são coisas diferentes.
No homem recria-se um estado semelhante que lhe vai permitir vivenciar-se como pai daquela criança e sentir que ela é verdadeiramente o seu filho, que o ajuda a descobrir-se pronto a assumir-se como agente participante e ativo para com ela. Para a mulher, a vinculação ao filho pode ser mais fácil, pois o bebé cresce dentro dela, enquanto o homem só o pode fazer ao nível do imaginário. A mãe tem aqui uma influência importante nesta relação pai-bebé incentivando o pai a participar de forma mais próxima durante a gravidez e mais tarde não impedindo competitivamente o acesso ao filho, isto é, “permitindo ao pai ser pai” como chama a atenção Teresa Ferreira, psiquiatra e psicanalista. Tanto os pais que esperam um filho como aqueles que cuidam dele têm de aperceber-se da força e da ambivalência dos sentimentos que acompanham a gravidez, próprios de um processo de ajustamento (ver caixa).
Após o nascimento
Os investigadores asseguram que a competência e a autoconfiança como pais não são talentos inerentes das mulheres, sendo antes adquiridas no envolvimento de ambos os pais durante a gravidez que se traduz numa maior disponibilidade para perceber os sinais precoces do bebé com implicações no envolvimento na vida desse bebé. Não há pais perfeitos e, se os houvesse, seriam maus para o bebé, pois uma certa margem de frustração é necessária para o desenvolvimento das capacidades do bebé como ser diferenciado. O que há são, como elucidou Winnicott, pais suficientemente bons que, assumindo as suas limitações, funcionam de forma empática na sua relação com o bebé, isto é, suficientemente sintonizados e flexíveis para responder adequadamente às necessidades do bebé e proceder a correções e reparações quando os desencontros ocorrem. Depois da gravidez os pais não podem mais estar delimitados em si mesmos, uma vez que há um ser que depende e conta com eles.
A negociação da divisão do trabalho doméstico e de prestação de cuidados através de uma comunicação aberta sobre as necessidades sentidas e sensibilidade às necessidades do outro e da partilha de experiências, dúvidas e ansiedades implica, segundo as especialistas Cristina Canavarro e Anabela Pedrosa, uma flexibilização da aliança conjugal para formar uma aliança parental.
A gestão do trabalho fora de casa da mulher e do homem ou de uma carreira é complicada, geralmente o equilíbrio mantém-se ao lado do bebé, mas um nascimento anuncia uma longa e complexa série de compromissos, tanto para os pais como para o filho. Socialmente os pais passam a ser vistos com outros olhos e sobre eles recaiem novas expectativas, difíceis de contornar. Assumem um novo papel na sua família de origem e “uma posição giratória na sucessão de gerações”, citando Stern e Bru- chweiller-Stern, especialistas em desenvolvi- mento infantil. Depois de uma gravidez, a família já não é a mesma.
Saiba mais
Tarefas de desenvolvimento na transição da parentalidade:
- Adaptação à “notícia” da gravidez.
- Reavaliar e reestruturar a relação com os pais.
- Reavaliar e reestruturar a relação com o cônjuge.
- Reavaliar e reestruturar a sua própria identidade.
- Construir de uma relação com a criança enquanto pessoa separada.