
Mário Cordeiro
{ Pediatra }
Brinquedos de género ou género nos brinquedos?
Se o leitor ainda é dos que acham que os meninos só devem brincar com carrinhos e as meninas com bonecas, sugiro… além dos brinquedos, compre também uma burka e passe a andar um metro à frente do “mulherio” da sua casa… Que os rapazes e as raparigas são anatómica e biologicamente diferentes, toda a gente sabe, bem como que, ao longo dos tempos, se conhecem as múltiplas diferenças psicológicas, de desempenho, sensibilidade, expressão dos sentimentos, capacidades e aptidões. No entanto, quando olhamos para estes factos, fica a dúvida: o que é que é estrutural, genético e instintivo e o que é que é fruto apenas do ambiente onde se cresce e das expectativas sociais? Não é fácil fazer a destrinça, tantos são os fatores implicados nos comportamentos, desde individuais a sociais. As diferenças mais evidentes entre rapazes e raparigas têm a ver com a linguagem, sensibilidade, abrangência do campo visual, emoções, capacidade de concentração, capacidade de lidar com várias tarefas ao mesmo tempo, rapidez de avaliação de estímulos, entendimento da geometria descritiva e da tridimensionalidade dos objetos, e tantas coisas mais. Não é apenas por uma razão social que certas profissões são mais “masculinas” e outras mais “femininas”, cada vez esbatendo-se mais a diferença, sobretudo quando a “força bruta” é desempenhada pelas máquinas Reconhecer essas diferenças é uma coisa, considerar que elas implicam uma relação de superioridade ou inferioridade entre os homens e as mulheres é outra, e dividir os brinquedos em “pró-menino” e “prá-menina” também tem muito que se lhe diga.

Deixem as crianças brincar com o que quiserem, mesmo que instintivamente procurem este ou aquele brinquedo.
Carros para ele, bonecas para ela. Teve seu tempo, com base nos momentos históricos, nas expectativas das pessoas acerca do desempenho dos filhos enquanto futuros adultos, e baseado no que não se sabia sobre desenvolvimento e psicologia infantil. Só que a sociedade e a Ciência evoluíram… A ideia, pois, de que o filho possa ser gay por querer brincar com bonecas, às casinhas ou ter conjuntos de casa de banho com secador e banheira para dar banho aos bebés, ou que as raparigas sejam “marias-rapazes” porque gostam de jogar à bola ou com carrinhos é caduca, ultrapassada e cientificamente errada. Brincar tem quatro vertentes, como todas as atividades da vida : sorte e azar, oposição, faz de conta, e vertigem e teste dos limites. Por outro lado, brincar desenvolve a imaginação e a criatividade, promove as competências sociais, desenvolve as competências físicas e ajuda a trabalhar as emoções. Os brinquedos têm ainda outra função: fazer uma representação social e do quotidiano e preparar as crianças para os seus desempenhos no futuro. Assim, se durante centenas de milhares de anos o rapaz viria a ser caçador ou guerreiro, ou promotor de jogos viris, a mulher estava destinada a ser dona de casa e mãe, tendo o exclusivo do mimo. Os brinquedos estavam assim “desenhados”. Hoje, na nossa sociedade, tudo isto rui pela base. Deixem as crianças brincar com o que quiserem, mesmo que instintivamente procurem este ou aquele brinquedo. Espero, assim, que para os leitores este seja um assunto arrumado: deixemos brincar com tudo o que é a representação da vida real, conforme as necessidades e desejos, conforme as variações e experimentações necessárias ao longo do tempo e sem emitir juízos de valor machistas e ultramontanos, que ficarão bem na boca do senhor Donald Trump mas que nos devem causa, repúdio e náusea. Cada um brinca como quer e com o que quer, pelo que a oferta de brinquedos não deve obedecer a essas baias… ou então iremos proibir as mulheres de serem juízas, ministras, deputadas, chefes de serviço, de trabalharem fora de casa, conduzirem ou mostrarem o umbigo… e os homens de cozinharem, cuidarem dos filhos, e até chorarem, porque “um homem não chora”. Se for o caso, além dos brinquedos comprem também umas burkas…