
Mário Cordeiro
{ Pediatra }
“Dançar é sentir, sentir é sofrer, sofrer é amar…”
O sexismo não afeta apenas as mulheres. São cada vez mais os casos em que os “habitantes do mundo masculino” são preteridos, humilhados e postos de parte… por serem homens
A dança é das artes mais antigas, não apenas pelo seu caráter lúdico e estético, mas dançar é intrínseco à humanidade: basta ver como os bebés se movem em danças rítmicas, desde que tenham um qualquer estímulo que os “agite”, sem precisarem de muitos ensinamentos.
As crianças crescem e vão escolhendo (ou os pais vão-lhes impondo) atividades diversas, mas curiosamente a dança torna-se um expoente do machismo e do sexismo. Tirando “danças de salão”, que surgem mais tarde, a dança em geral e o ballet em particular ficam reservados às raparigas. O velho ditado “um homem não chora” parece ter sido substituído por “um homem não dança” (a não ser em discotecas…).
Paralelamente, à medida que crescem, e por causa deste tipo de imposições, muitas crianças e adolescentes sentem que, a determinada altura, têm de fazer quase como uma opção entre eles próprios e os amigos. Não desejando ser ostracizados ou banidos, têm por vezes de enfrentar o grupo, unido enquanto tal, e como este não é muito dado a cedências, são os seus elementos, em particular, que têm de aderir às ideias gerais, e também prescindir das suas. Isso acontece, sobretudo, àqueles que têm maior maturidade e ideias próprias, que se querem afirmar no seu percurso de autonomia, mas que ainda não encontram – até pela pouca idade –, força suficiente para resistir e correr o risco de ficar só.

Que os adultos não se distraiam e que se lembrem sempre de escutar os mais novos e apoiá–los, no seu percurso de vida.
Associando as duas coisas, recordo-me do caso de um adolescente que segui, que a dada altura resolveu ir para o ballet, dado que pretendia explorar a relação do seu corpo com o meio, com a música e com o espaço. Criticado por todos, na escola e nos restantes grupos de pertença, teve a força suficiente para se manter na dança, felizmente com o apoio sólido dos pais, que sempre o deixaram desistir, se ele desejasse, mas manter-se no ballet, se essa era a sua verdadeira vontade.
Passados uns meses, por ocasião de uma festa na escola, este rapaz “deu show” na sua expressão corporal, que encantou os espectadores, e rapidamente viu as raparigas a rodeá-lo, “gulosas”, perante um macho tão elegante e com uma relação tão boa e síncrona com o corpo.
Posso jurar que, passados uns dias, muitos alunos foram pedir aos respetivos pais para se inscreverem no ballet, e que o grupo o aceitou, ou dito de outra forma, o elegeu como um dos líderes.
Em muitos casos, porém, a força de vontade e o apoio em casa não é tão grande, as dúvidas surgem, e vai-se pelo caminho aparentemente mais fácil: ceder, “encarneirar”, dizer que sim a supostos chefes, mas ao mesmo tempo deixar para trás sonhos, ideias, ideais, tempo e a exploração mais profunda de aspetos que são, se devidamente colocados, muito estruturantes da personalidade: o poder de decisão, a responsabilidade, a autonomia, a afirmação do Eu e, até, a solidão.