O que ficou «na espuma do confinamento»?
«Manel. Desculpa, mas tens de ir para a escola!». «Maria, já te disse para largares o tablet, que coisa!», e de repente, de mansinho mas de repente, o que as crianças passaram a ouvir, sem ser em tom de piada, foi: «Manel, queres ir à escola, mas não pode ser. É perigoso e além disso está fechada!»; «Maria, o que é que estás a fazer, a brincar, quando tens aula on-line? Pega já no tablet!». Convenhamos que tudo isto no espaço de um par de semanas mal medidas roça a loucura.
Todavia, foi assim e todos sabemos que teve de ser assim, embora ninguém se atreva a fazer «prognósticos»… nem no fim do jogo!
O que resulta, para as crianças, deste confinamento e alteração radical dos estilos de vida? Claro que houve de tudo, desde as pessoas que se retiraram para outras paragens e gozaram plenamente os excelentes dias de primavera, às que ficaram retidas em casa e nem o nariz se atreviam a pôr de fora. A adaptação às tecnologias como fonte de ensino e aprendizagem, desde a escola tradicional ao desporto, às aulas de piano ou de violino (ou outras), a… realmente quase tudo, fez-se de uma maneira inesperadamente fluida. Ainda bem. Apesar de tudo, ao fim de umas semanas, já se vai notando algum cansaço, quer dos pais, porque teletrabalho não é trabalhar sem condições com meninos aos saltos ou a questionarem estes novos «professores domésticos», quer das próprias crianças, porque o tablet é mais engraçado quando representa um fruto proibido.
“As crianças precisam de vir para a rua, para os parques, campo, praia, e correrem, saltarem, gritarem, até, para soltarem a intensa energia que têm e a que a primavera ainda incentiva mais. Os adultos, também. Há que recuperar o prazer de estar numa esplanada, simplesmente a… «esplanar».”
Chegou a altura de, realmente, desconfinar, por todas as razões conhecidas, mas também porque são as nossas cabeças que o pedem. Somos um animal gregário, que necessita de amigos, familiares, abraços e conversa, e não apenas de uma forma mais ou menos sofisticada de eremitismo.
As crianças precisam de vir para a rua, para os parques, campo, praia, e correrem, saltarem, gritarem, até, para soltarem a intensa energia que têm e a que a primavera ainda incentiva mais. Os adultos, também. Há que recuperar o prazer de estar numa esplanada, simplesmente a… «esplanar».
Creio que, no meio desta confusão, e assumindo sempre que há casos e casos, e que, mais uma vez, os mais pobres e desfavorecidos ficaram mais para trás, em termos de acesso à tecnologia, à informação e ao conhecimento – injustiça que é urgente reparar –, muitos pais terão tido a oportunidade de, finalmente, olharem para os filhos, estudarem-nos, contemplarem-nos e darem conta, quer da importância da magnitude do seu papel parental, quer da evolução dos filhos e também entenderem quem eles são. Já ouvi pais a dizerem que, doravante, «ainda vão ficar mais invejosos dos educadores que lidam com os seus filhos nos atendimentos diurnos».
Não se espera que, de repente, o mundo «fique certo e fique bom», mas se aprendermos algumas lições com esta pandemia, desde percebermos a nossa fragilidade e que não somos deuses, até, por consequência, que o que mais importa não é obrigatoriamente «comprável?» e pode ser adquirido «a custo zero», os nossos filhos e nós próprios teremos condições para termos mais momentos de felicidade, aproveitarmos melhor o quotidiano, a vida, a Natureza, e fruir de uma coisa que, por vezes, quase parecia estar esquecida: a indispensabilidade das relações humanas e da expressão efetiva do amor entre pais e filhos.