Mário Cordeiro é médico, professor e pai de cinco filhos. Com este livro o pediatra pretende dar aos pais e aos jovens informação factual e científica sobre a sexualidade.
Porque teve necessidade de escrever sobre sexualidade?
A sexualidade é ainda um assunto pouco falado, mas relativamente ao qual pais e adolescentes têm inúmeras interrogações, dúvidas, inquietações e perplexidades. Já em tempos tinha publicado um pequeno livro com algumas dicas, mas que não teve, por razões de editora, distribuição. Agora decidi pegar nesse “esqueleto” e “recheá-lo”, designadamente com problemas e questões novas. Creio que poderá ser útil para desfazer alguns mitos e tabus.
O título do livro é “Venha Conhecer o Lobo Mau”, porquê?
O título tem a ver com a História do Capuchinho Vermelho e de como o lobo, considerado o grande predador da espécie humana, pode atuar, mas não esquecendo – e isso é importante – que os “lobos maus” também residem dentro de todos nós e será bom sabermos controlá-los domesticá-los e até tornarmo-los em cães, os descendentes dos lobos e os nossos melhores amigos.
Não sou a favor de que pais e filhos andem a discutir a sexualidade de ambos
Quem tem reagido mais ao seu livro: os pais ou os filhos?
Curiosamente ambos. Não sou a favor de que pais e filhos andem a discutir a sexualidade de ambos, ou que esses assuntos íntimos venham para a praça pública, mas que se desfaçam, isso sim, alguns mitos e sobretudo, que se dê informação, conhecimento e até se transmita sabedoria aos mais novos para que possam gerir a sua sexualidade de uma forma responsável, assertiva e prazeirosa.
A sexualidade continua a ser um tabu entre pais e filhos?
Sim e até certo ponto não acho mal. Tabu é diferente, é uma coisa de que não se fala por proibição ou contenção demasiada. Os assuntos referentes à sexualidade devem ser mencionados e debatidos, mas não particularizados. E alguns, que pais ou filhos possam achar que causam desconforto, não devem permanecer “trancados” em sigilo, mas sim os pais facilitarem aos filhos o acesso a livros ou materiais que possam ajuda-los a esclarecer as coisas para que não haja equívocos. Aliás, as “n” perguntas que estão no livro são reais, foram feitas por adolescentes aqui e em Inglaterra.
Informar e permitir o conhecimento é o primeiro passo para uma sexualidade responsável e esclarecida.
Há pais que se preocupam demasiado com a vida sexual dos filhos?
Alguns haverá, mas não quer dizer que os esclareçam mais e melhor ou que essa “intervenção” (às vezes um bocadinho claustrofóbica) favoreça uma melhor compreensão do fenómeno. Informar e permitir o conhecimento é o primeiro passo para uma sexualidade responsável e esclarecida, e sobretudo mirando a parte «boa», ou seja, o amor, os afetos, a realização com o outro ou outra, e não apenas os riscos e perigos.
No seu livro dá respostas a perguntas concretas de adolescentes. Como as recolheu?
Foram recolhidas em escolas portuguesas e inglesas. São de todo o tipo e algumas revelam o que quase apelidava de “ingenuidade pueril”. Às vezes consideramos que “eles e elas já sabem tudo”, mas não é verdade… daí, creio, a importância que atribuo a este livro, também considerado fundamental por uma grande editora como a Leya (D. Quixote).
Podemos dizer que os jovens de hoje têm mais informação sobre a sexualidade?
Têm muita informação, ou acesso a muita informação, com um click, mas essa overdose não serve para nada se não houver o seu metabolismo e a transformação em conhecimento. Caso contrário, só confunde, e isso nota-se no quotidiano.
Os jovens (e toda a gente, aliás) precisam de se tocar, de sentir o corpo do outro, de experimentar o corpo do outro.
A pandemia isolou os jovens. Quais as consequências ao nível das relações?
Os jovens (e toda a gente, aliás) precisam de se tocar, de sentir o corpo do outro, de experimentar o corpo do outro. A pandemia impediu-o. Isso prejudicou em muito os adolescentes e, felizmente começamos a “respirar” um pouco mais. Daí eu ter sido um teimoso defensor da vacinação a partir dos 12 anos. Se os adolescentes se habituam a ter amigos namorados e afetos on-line, não saberão depois ver as nuances dos outros, quer no sentir do corpo, quer nas conversas (e até nas discussões) e nas microexpressões que não são substituíveis por um qualquer emoji.
No seu livro fala de pornografia…
Porque ela existe, é um facto e é definitivamente uma péssima maneira de fazer alguma aprendizagem da sexualidade, alem disso a pornografia estabelece um padrão relacional homem/mulher ou até homem/homem que é perversa, machista, dominadora e execrável. Um lobo mau…
Não sou a favor de filtros ou de outras maneiras de controlar o que os jovens veem na internet, mas sim de os orientar para o que é útil, científico, factual e real.
Como devem os pais gerir a visualização de informação sobre sexualidade nas redes sociais?
Não sou a favor de filtros ou de outras maneiras de controlar o que os jovens veem, mas sim de os orientar para o que é útil, científico, factual e real, e ajudá-los a fazer essa triagem entre o que é bom, porque o há, e o que é mau ou muito mau em termos de verdade científica. Aliás, esta questão das redes sociais, etc., não é exclusiva da sexualidade.
Acha importante a disciplina de educação sexual nas escolas?
Não. Sou contra. Defendo fervorosamente as aulas de Cidadania, e acho que a sexualidade deve ser ensinada em todas as matérias, desde as Ciências à História da Geografia à Matemática, da Língua Portuguesa à Educação Física.
Como reagiram os seus filhos adolescentes ao tema do seu livro?
Não os consultei, porque gosto de separar as águas. O livro está à disposição. Se eles o quiserem ler, sabem onde o encontrar lá em casa…