Conversar sobre a guerra com crianças e jovens pode ser assustador e complexo. A Ordem dos Psicólogos dá algumas sugestões para ajudar pais e cuidadores.
Adaptado de “Perguntas e Respostas sobre a Guerra”, Ordem dos Psicólogos, Fevereiro de 2022, por Ana Margarida Marques | Fotografia: Shutterstock

A Ordem dos Psicólogos publicou um documento com perguntas e respostas sobre a guerra.

Dirigido aos pais e cuidadores de crianças e jovens, o documento alerta para a importância de “dar informação apropriada à sua idade, capacidade de compreensão e experiências, assegurando-lhes que se podem sentir seguras e protegidas.”

Em discurso direto, as sugestões da Ordem dos Psicólogos sobre como conversar sobre a guerra com crianças e jovens:

Permita à criança expressar pensamentos e sentimentos 

Dizer à criança/jovem que estamos disponíveis para os escutar e para falar sobre o assunto. Perguntar-lhe o que pensa sobre a guerra, se está assustada ou preocupada.

Mesmo que respondam que “não”, estamos a dar-lhes indicação de que é natural que tenham esses sentimentos e de que podem falar sobre eles, se quiserem.

Algumas crianças podem não ser capazes de falar sobre os seus pensamentos, sentimentos ou medos, mas podem sentir-se mais confortáveis em desenhar, brincar ou contar histórias directa ou indirectamente relacionadas com o que está a acontecer.

É natural também que possam fazer as mesmas questões ou comentários repetidamente, até que a informação lhe faça sentido.

Escute e descubra o que a criança já sabe

Mais importante do que explicar ou fornecer informação sobre a guerra, é ouvir o que a criança queira, espontaneamente, comentar ou questionar.

A melhor abordagem é deixar as preocupações das crianças, nas suas próprias palavras, guiar a direcção e a profundidade da conversa.

Embora também possamos suscitar as suas opiniões fazendo perguntas abertas – por exemplo, “Já ouviste falar sobre a guerra que está a acontecer?”.

As crianças/jovens podem já ter contactado com informação acerca da guerra através dos meios de comunicação social, da escola ou dos amigos.

Saber o que já sabem pode ser um bom ponto de partida para a conversa.

Bem como estarmos atento/a ao que não dizem – as expressões faciais, os gestos ou tom de voz, por exemplo, também podem revelar emoções. 

Valide os sentimentos da criança

É importante comunicar à criança que compreendemos que o que está a acontecer nesta situaçao de guerra é confuso e complicado.

Não sentimos como grande ajuda quando alguém nos diz “Não te preocupes!”, acerca de algo que nos preocupa, por isso, devemos evitar dizê-lo às crianças e jovens. Por exemplo, dizer “Pareces triste quando falamos sobre isto. Eu também estou triste”, comunica à criança que os seus sentimentos são naturais, compreensíveis e que o adulto se sente de forma semelhante e está a aprender a lidar com isso.

Não julgar a criança/jovem pela forma como se sente, mesmo que nos pareça fazer pouco sentido. Se não compreendermos algo, devemos mostrar respeito e pedir que explique novamente. 

Adeque a linguagem e a informação à idade da criança

Por exemplo, a uma criança mais nova podemos dizer “Algumas pessoas, noutros países, discordam em coisas que são importantes para eles. E, às vezes, quando isso acontece, há uma guerra. A guerra não está a acontecer perto de nós e não corremos qualquer perigo. Estamos seguros”.

É importante sermos honestos e não minimizarmos a gravidade da guerra, contudo, por outro lado, não há necessidade de sobrecarregar a criança/jovem com informação desnecessária e que pode não conseguir processar.

É fundamental considerar também as experiências e as circunstâncias de cada criança/ jovem (por exemplo, o facto de serem filhas/os de militares). 

Assegure que a criança se sente protegida e segura

Sobretudo as crianças mais novas interpretam o que acontece de uma forma que não tem lógica para os adultos e que lhes pode causar medos.

Por exemplo, podem pensar que “se há uma guerra na televisão, também pode haver uma na escola” ou “se há um míssil que pode voar até lá, também podem voar até casa”.

Por isso, é importante repetir-lhes que estão protegidas e seguras (e a sua família também). É uma boa ideia reforçar o contacto físico (por exemplo, abraços, beijos) e manter as rotinas habituais. 

Sublinhe que há esperança e muitas pessoas a tentar ajudar 

Mesmo em situações terríveis, como a guerra, encontramos sempre pessoas que se esforçam arduamente por ajudar os outros (políticos e diplomatas, mas também, por exemplo, médicos, enfermeiros, militares, polícias, bombeiros, voluntários).

Sublinhar estes actos de coragem, bondade e serviço aos outros recorda às crianças e aos jovens que, apesar de existirem situações de grande adversidade e maldade, também existem sempre actos de humanidade e amor entre as pessoas.

É igualmente importante enfatizar que todas as guerras acabam e que podem existir soluções não violentas para a paz. 

Assista às notícias em conjunto com as crianças mais velhas e jovens

No caso das crianças mais novas é importante restringir o acesso à informação veiculada na comunicação social, evitando que sejam expostas a imagens e informação que as pode perturbar (não só através da televisão, mas também das plataformas através das quais acedem à internet).

No caso das crianças mais velhas e dos jovens, a abordagem mais adequada será ler ou assistir às notícias em conjunto, encorajando-as a dar a sua opinião e a colocar questões (limitando esses momentos a não mais do que uma/duas vezes por dia). 

Evite estereótipos

Seja qual for a nossa opinião sobre a guerra ou os países envolvidos, devemos evitar imagens e linguagem que polarizem, colocando em oposição “os bons” e “os maus”, os “do lado certo” e “os inimigos”, os “países bons” e os “países maus”.

É igualmente importante não esteriotipar grupos de pessoas pela sua pertença cultural, nacionalidade ou religião.

Pelo contrário, esta pode ser uma oportunidade para promover a tolerância e a compaixão, o respeito por todos e pela diversidade, bem como explicar o que são preconceitos e estereótipos.

No caso das crianças mais velhas, podemos ainda ajudá-las a compreender que a guerra traz consequências – individuais e sociais – para ambos os lados.

Conversar sobre a complexidade da guerra pode encorajar os jovens a serem mais empáticos e sensíveis aos diferentes pontos de vista. 

Utilize a conversa para encorajar a discussão de outros temas

Uma conversa sobre a guerra pode evoluir para uma conversa sobre outras questões difíceis de resolver na nossa vida.

Podemos utilizá-la para estimular o desenvolvimento das crianças e jovens noutras áreas. Por exemplo, podemos aproveitar para falar sobre como ajudar pessoas que não conhecemos, ou como resolver situações de conflito ou bullying

Encoraje comportamentos pró-sociais

As crianças e os jovens podem sentir-se mais seguras e confiantes quando sentem que podem fazer algo para ajudar.

Por isso, podemos encorajar os seus comportamentos pró-sociais, debatendo hipóteses de ajudar e fazer a diferença (por exemplo, fazer doações de bens materiais para instituições que ajudam crianças que estão a vivenciar situações de guerra ou escrever uma carta aos decisores políticos ou ao jornal local).

Um dos primeiros passos pode ser também aprender mais sobre o assunto e organizar um grupo de discussão junto de colegas ou pessoas da comunidade. 

Procure perceber como a criança se sente face a esta situação

A guerra pode afectar mais umas crianças do que outras. É natural que se sintam confusas, perturbadas ou ansiosas.

No entanto, alterações duradouras do comportamento e do sono, preocupação constante com o assunto e medo da morte, podem constituir sinais de alerta.

Experimente a preencher a Checklist Como me Sinto? (sobre Crianças e Adolescentes, para Pais, Educadores e Professores). 

Nesse caso, é importante procurar ajuda – um Psicólogo ou Psicóloga podem ajudar. 

Cuide de si e da sua saúde psicológica

As crianças e os jovens aprendem a lidar com a adversidade e com o que acontece à sua volta observando a forma como os adultos das suas vidas o fazem.

Por isso, é importante sabermos que a forma como respondemos ao stresse e comunicamos sobre a temática da guerra, vai influenciar a reacção das crianças e jovens de quem cuidamos.

É natural que também nos sintamos ansiosos com a guerra e podemos dizer à criança/jovem que também sentimos medo – sem a sobrecarregar com as nossas emoções, mas sim focando-nos na forma como estamos a lidar com esses sentimentos.

Nós, os adultos, podemos modelar a ideia de que existem, de facto, coisas muito difíceis e assustadora no mundo, mas também que podem ser ultrapassadas (e como). Confira a Checklist Como me Sinto? para adultos

Leia o documento completo da Ordem dos Psicólogos.