Carlos Neto
Professor Catedrático na Faculdade de Motricidade Humana (FMH) da Universidade de Lisboa

A urgência do brincar

Mai 5, 2021 | Carlos Neto, Opinião

É necessário libertar as crianças do aprisionamento a que estão sujeitas nas últimas décadas para viverem a sua infância de forma plena. A infância só se vive uma vez e não é repetível.

O comportamento de brincar e ser ativo no desenvolvimento da criança, principalmente na primeira década de vida humana, tem imensas vantagens em termos de capacidade de adaptação e criatividade.

Brincar é treinar para o incerto e inesperado. É um comportamento motivado intrinsecamente, permitindo o desenvolvimento da regulação emocional, cultura de sobrevivência, confronto com a adversidade, autoconfiança, relação social e competências motoras e cognitivas.

É necessário tempo e adultos emocionalmente disponíveis (não apressados) para ouvirem as crianças sobre muitas coisas que têm para nos revelarem sobre as suas vidas, motivações, imaginários e representações.

O brincar vem de dentro, brotando imaginação e fantasia como um tempo próprio de ser criança. Por conveniência adulta, este tipo de comportamento é por vezes silenciado, bloqueado e maltratado, por ser considerado perda de tempo, não produtivo e secundário.

O comportamento de brincar e ser ativo é um direito fundamental na infância. Forças poderosas se levantam para ter crianças agitadas ou adormecidas com necessidades de dependência de medicação e tecnologias.

O comportamento de brincar e ser ativo é um direito fundamental na infância.

É urgente acordar para perceber a manipulação subtil exercida sobre aforma como a existência da infância é comercializada e silenciada.

O futuro não pode permitir que esta geração que está agora a crescer e a viver os seus primeiros anos de experiência, num mundo recheado de incerteza e complexidade, possa ficar amputada de direitos fundamentais de um desenvolvimento saudável e confiantes para um mundo novo mais solidário.

É necessário libertar as crianças do aprisionamento a que estão sujeitas nas últimas décadas para viverem a sua infância de forma plena. A infância só se vive uma vez e não é repetível.

Trata-se de nos questionarmos se as crianças têm tempo disponível dos adultos para terem tempo e espaço para serem crianças.

De facto, observa-se um aprisionamento progressivo na sua liberdade de ser, existir e terem oportunidades de crescerem saudáveis nos contextos de vida quotidiana na família, escola, cidade (rua) e em conexão com a natureza.

O futuro não pode permitir que esta geração que está agora a crescer e a viver os seus primeiros anos de experiência possa ficar amputada de direitos fundamentais de um desenvolvimento saudável e confiantes para um mundo novo mais solidário.

O tempo de ser criança foi invadido por uma “ditadura” de agendas de atividades organizadas e estruturadas, devido a uma organização e gestão do tempo, dependentes da forma e modelo de organização do trabalho dos pais, do tempo que passam na escola (mais escolas paralelas) e tempo disponível para estar em família.

O declínio do jogo e atividade física nas últimas quatro décadas está a provocar o aparecimento de taxas de iliteracia motora e problemas preocupantes de saúde física e mental.

A relação entre atividades muito organizadas e não formais encontra-se muito desequilibrada nos quotidianos de vida de crianças e jovens.

É urgente redescobrir mais tempo e espaço para aumentar a cultura lúdica e motora entre pais e filhos em contexto familiar, de rua e no contato com os espaços naturais.

Devolver esse tempo de vivências na infância pode melhorar significativamente a vinculação afetiva e as competências motoras, cognitivas e sociais.

É urgente redescobrir mais tempo e espaço para aumentar a cultura lúdica e motora entre pais e filhos em contexto familiar, de rua e no contato com os espaços naturais.